Ela ondulava entre as mesas e os seres, vazando as ruas entupidas do velho centro do Rio – Rosário, Ouvidor, Arco do Teles – tomadas por hordas de trabalhadores, os financeiros e os comerciais – fim de expediente, véspera do 1º de Maio –, que se despejavam nos bares, se acotovelavam nas mesas, se esfregavam nos cantos. Entre todos, ela seguia, altaneira, à frente dele. Ela, a proa. Ele, apenas o resto do navio...
Atravessava os grupos, driblava as conversas, evitava as portas. Dos bares saltavam vozes das dores de corno, bêbados ocasionais e amantes oportunistas, fora os seguranças (a trabalho, mais mal encarados...), mas, quem se importava?... Corria a maior animação, as bocas trocavam a alegria por goles de cerveja, e ela à frente, fazendo jogo de corpo, mamboleando, ondulada, desejável, apenas seguindo, com um pouco de pressa, seu caminho.
Ele, no vácuo, à bolina... Roçava as mãos nos seus braços, tentava guiá-la (como se precisasse...), tocava com as pontas e palmas das mãos as costelas, a cintura, as espáduas, buscando ampará-la (enquanto conferia-lhe as formas...), falando ao pé do ouvido para alertá-la dos riscos da rapidez da caminhada e curtir um cheiro, um roçar no pescoço, um toque na orelha...
Seguia ela, a própria proa. Muito mais: uma figura de proa!... Ele a seguia, bojo de navio. O volume, o peso, a carga... Ela transbordava as ondas. Ele, corpo colado nela, dava-lhe o lastro. Navegavam os dois como um só. Se ela refugava (escolhos à frente!), ele colava mais...
Trânsito intenso, cadeiras, mesas, pessoas, mar revolto. Ele se apertava, sentia o corpo encaixado, o corpo grudado, quase mergulhado nela. A maré subindo, ele ia mais fundo...
Boca da barra, ela foi embora. Não aceitou nem um chope, estava mareada. Ele, incompleto navio sem proa, afundou numa mesa. Ancorado na solidão.
Mas, feliz!
Recolheu dela um rabisco num guardanapo, como se o mundo de um náufrago coubesse no fundo de uma frágil garrafa: o número do telefone!
Ah, há mar...
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